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Fados enterrados na areia


O meu pai levava-me a apanhar búzios, conchas, canivetes, pequenos seixos. Eu segurava cada um como quem segura um tesouro; passado poucos minutos, porém, e devido ao calor das minhas mãos, estes secavam e perdiam a graça. O meu pai replicava que era preciso devolvê-los à água. As criaturas marinhas não sobrevivem fora dela. Quando lhe fazia notar que tinha nas mãos seres inanimados, olhava-me como se eu tivesse acabado de dizer uma obscenidade. Então, muito calmamente, estendia a mão, para que eu nela depositasse os cadáveres inertes e, sem uma palavra, deixava-os cair na areia molhada. As ondas da maré baixa devolviam a cor e o brilho às mínimas preciosidades. O meu pai sorria e apontava para o chão:

Vês? Voltaram a respirar. Ouves?

O quê?, inquiria eu, desorientado.

O meu pai voltava a sorrir e esticava o indicador à frente dos lábios a pedir silêncio. Depois sussurrava:

A música só se ouve quando tudo o resto se cala.

Ficávamos os dois quietos, mudos, durante largos minutos, escutando a ária que, segundo ele, ecoava debaixo dos nossos pés. Fados distantes. Aquelas notas eram o único tesouro que eu poderia levar para casa. Perplexo, perguntava-lhe como poderia eu apanhá-las. Ele sorria de novo – sorria sempre – e gracejava que este tipo de notas não se podiam agarrar.

Então como posso levá-las comigo?

São elas que te apanham.

Como?

Entranham-se em ti. Primeiro, nos pés. Depois alcançam o coração. E nessa altura, tornas-te refém da melodia. Nunca mais deixarás de ouvi-la.

Nunca mais?

Onde quer que vás, assegurava.

© Gabriela Ruivo Trindade

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